Se você, assim como eu, não acredita em soluções pela via política, tenho a certeza de que, em algum momento, ao discutir política, você já se deparou com um interlocutor que, peito estufado e ar soberbo, disparou: “Se você não vota, não tem direito de reclamar!”
nnnnQual o problema com esta afirmação? Simples: sua lógica está totalmente invertida. E é fácil explicar por quê.
nnnnPara começo de conversa, se eu não aceito a existência de algo (no caso, esta própria instituição chamada ‘estado’), qual seria a lógica de eu participar de um ato que implica meu consentimento para com sua existência?
nnnnQual é a lógica de eu participar de um ato que serve apenas para chancelar minha aprovação à existência deste esquema? Mais ainda: qual seria a lógica de eu fazer tudo isso e ainda reclamar da existência deste algo que desprezo?
nnnnSe você se associa a alguma coisa ou passa a lidar diretamente com ela, então passa a existir um entendimento tácito de que você aceitou suas condições.
nnnnTorna-se subentendido que você chancelou sua existência.
nnnnPor exemplo, se eu não gosto de comida japonesa, eu não vou a restaurantes japoneses. Simples. E dado que os proprietários de restaurantes japoneses não podem vir atrás de mim e me forçar a frequentar seus estabelecimentos, então não há absolutamente nenhum motivo para eu reclamar de comida japonesa.
nnnnPor outro lado, se eu voluntariamente for a um restaurante japonês, então isso significa que eu estou deixando claro que quero receber os serviços que ele oferta.
nnnnDa mesma forma, se você é um antipetista que defende a existência do estado — mas que obviamente não votou em Dilma ou no Lula —, você não tem direito nenhum de reclamar do governo; afinal, você, ao simplesmente ter votado em alguém (Bolsonaro ou qualquer outro político), demonstrou concordar com a condição de que você iria aceitar os resultados da eleição independentemente de quem fosse o vencedor.
nnnnSim, você pode reclamar de alguns aspectos do governo, da mesma maneira que eu posso reclamar de alguma coisa na comida do restaurante do qual sou cliente. Mas isso não muda o fato de que, ao votar em alguém, você automaticamente demonstrou consentir com a existência do atual sistema e com todos os seus possíveis resultados e consequências, porque você quis fazer parte votando.
nnnnNão faz sentido dizer “Eu defendo a existência de um estado, mas não gosto das políticas do atual governo”. Estados sempre fazem a mesma coisa: dão ordens, controlam, roubam e redistribuem. O que varia é apenas a intensidade com que estes crimes são cometidos e quem é o espoliado. Mas os crimes nunca deixam de ser cometidos e pessoas nunca deixam de ser espoliadas. Esta é a essência de todo estado.
nnnnPor outro lado, dado que eu não aceito a legitimidade de estados — tampouco creio ser necessário existir qualquer estado —, então eu, e apenas eu, tenho o direito de reclamar de absolutamente qualquer coisa relacionada a este sistema nefasto.
nnnnApenas eu posso criticar, sem nenhuma incoerência, todo e qualquer aspecto deste monopólio ineficiente e corrupto que me oprime e me espolia sem que eu sequer queira os “serviços” que ele fornece.
nnnnVocê, que defende a existência deste ente sórdido e espoliador — mas que acha que ele poderia “ser gerenciado por pessoas melhores, mais honestas e mais competentes” — não tem nenhum direito de reclamar de qualquer aspecto negativo dele.
nnnnVocê está recebendo exatamente aquilo que você defende.
nnnnE aí, já decidiu em quem vai votar neste fim de semana?
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